CANAL DE SÃO ROQUE

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Foto de Gabriel Pereira




domingo, 23 de setembro de 2018

MULHER-IMENSIDÃO


Foto de Salete Pereira







MULHER-IMENSIDÃO
Carlos Pereira


Já nada me fascina
a não seres tu quando vestes
a pele de mulher-imensidão,
mulher- universal
ou te abres em seara madura
no fim do verão.

Já nada me entristece
a não ser quando vertes
uma lágrima tão antiga,
tão profunda,
que inunda o rio
onde gasto os dias e
detenho as horas
na tua espera.

Já nada me cansa
depois da lúcida contemplação
dos oníricos crepúsculos,
a não ser a noite,
que me circunda de medo e
me devora em instantes
de pungente angústia.

Já nada me encanta
a não ser quando desces a rua
quando sobes a vida,
quando não te dás por vencida
e aceitas outras verdades
para além da tua.

Já nada me acalma
a não ser o sopro aveludado do teu olhar,
penetrando nas perpétuas memórias
que encerramos e entrelaçamos,
em abraços de recôndito amor.



Aveiro, 17 de Junho de 2017
Publicado no Diário de Aveiro











domingo, 9 de setembro de 2018

CALHANDO, HAVEMOS DE ACREDITAR


Foto de Carlos Pereira




CALHANDO, HAVEMOS DE ACREDITAR
Carlos Pereira


Calhando, havemos de descobrir a rota de todos os mares,
encontrar o mapa para um destino desenganado;
Tecer redes, urdiduras, para capturar a
essência multicolor da hemorrágica espuma
que nos escapa por entre os arruinados dedos.

Havemos de reacender o farol primevo que antecipou
toda a sabedoria, grada ou mindinha, que nos regenerou
através dos ciclópicos tempos na demanda da embocadura do rio, onde desaguarão as memórias e os silêncios ancestrais, luz catarsia, para as vindouras primaveras.

Havemos de combater, sem tréguas, sem tibiezas,
o sucedâneo do homem-bom e o trajecto desajustado para a igualdade do anquilosado mundo risível.

Há que criar novos manuais onde a solidão e o esquecimento serão conquistas absurdas do conhecimento.

Que se estanque o sangue que corre por fora do nosso corpo em guerras torpes, que se aniquilem os exércitos que campeiam na parada de cada um em todas as pátrias.

Que se decrete à nascença, ainda no inocente berço, o poema como arma a empunhar quando beligerantes formos,
para podermos viver depois de morrer algumas vezes.
Calhando, havemos de acreditar.


Aveiro, 29 de Março de 2018
Publicado no Diário de Aveiro