CANAL DE SÃO ROQUE

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Foto de Gabriel Pereira




quarta-feira, 23 de setembro de 2020

É LINDO ESTE MAR

                                                             Foto de Carlos Pereira


É LINDO ESTE MAR
Carlos Pereira


É lindo este mar!
Pelo menos, assim o veem os meus olhos.
Beleza húmida que me avassala e encanta.
Corpo com pele azul turquesa, elegante meneio;
música, minha alma canta. 
Vaga serena, balbucia sílabas de encantamento
e silêncios de longas trevas.
Aqui, sinto-me mais vezes criança
e perdulário com os sentidos e o tempo.

Não há sons de tristura nem barcos de velas caídas
de desânimo na flutuação da manhã; apenas o leve sopro
da doce brisa traz o vivo aroma do sal
e a esquiva ave em alongados movimentos graciosos
se afasta, sem surpresa, do areal onde já extintas são
suas pégadas da alva madrugada. 

Meus pés, rendem-se com a exuberância dos humildes
perante a sedosa areia; meu ensimesmado fulgor
exara doce suspiro na alvura da manhã.

Resignem, ó monstros marinhos e corsários de
vestes andrajosas, que eu aqui neste mar,
nem a fúria de Neptuno temo.

Praia da Galé, 23.09.2020

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

O CÃO E EU

                                                                      Foto de Carlos Pereira




O CÃO E EU
Carlos Pereira

Atravessa o areal junto à linha da água quiçá a
linha da vida, suave passada, pelém de aspecto,
porém irradiando altivez; parece feliz,
tanto quanto eu por vê-lo, saboreando
a alegria de ser livre, apesar da madrasta sina
o ter abandonado a minguada condição.

O sol adocicado, beija-lhe o hirsuto pêlo,
um dos poucos aconchegos que adrega na
aziaga vida solitária.

De quando em vez, nariz espetado no chão,
farejando não se sabe o quê: talvez o rasto de
um companheiro da sua malograda estirpe.

Quão patéticos são os meus olhos,
apesar de lúcidos e poderem comover-se.
Sinto-me  consolado por sabê-lo mais humano e
mais livre que muitos de nós; fosse um
pouco menos racional e conquistaria o mundo.

O mar rendido, numa onda mais afoita,
abraça-o generosamente com a sua milenar espuma.

Ninguém me vai roubar este quadro,
meio animal meio humano, pintado ao sol matinal
com a côr da melancolia pela mão do destino indomável.

Toda a minha carne se inunda de emoção, inarrável júbilo:
nenhuma exaustão ou fronteira, vai impedir esta dolorosa,
mas asséptica, mensagem da criação. 

Quem sabe se ao entardecer
o céu não debruça sobre ele
um manto azul de esperança
forrado com lágrimas de sal. 

Praia da Galé, 18.09.2020