SINAIS DOS TEMPOS (CONFISSÃO)
Carlos Pereira
Não sou hoje mais do que fui ontem.
Admitir isto é a minha última alucinação:
é o meu lúcido momento ao lusco-fusco do
entardecer
que tarda a estrela d' alva.
Mudar o mundo era um dos meus propósitos:
Fiz tão pouco para isso; pouco é igual ao
nada que sou.
A pouca coragem ou a falta dela,
inibe o pensamento colectivo, dificulta a
acção individual
e pode, até, perigar a peregrina
liberdade.
Todos os meus amigos me confortaram
com abraços de bondade simiesca, dizendo:
que te não fique, mágoa, esmorecido o
preito ou
apoucamento pela empresa em vão, porque
também nós,
artífices do nada fazer, solidários somos;
se algum feito houve,
parca memória nos abordou ao cais dos
dias.
Agastados ficamos, tão leve punição,
pela inoperante cidadania e pela asquerosa
insensibilidade perante o sofrimento do
mundo
tanto mais que, a vida, nos tem dado de
presente
não poucas vezes o privilégio da ausência
de tristeza.
Seguir um lema mesmo que circunstancial, é
para nós,
humanos, uma das maiores arduidades; em
contraciclo
temos a sedutora habilidade da não
presunção do objectivo
para não, em caso de falência, não termos
de congeminar bastardas desculpas.
Nada é mais atroz do que caminhar
indiferente
pela estrada incendiada de rancores ou por
inóspitos trilhos,
atapetados por falsos confortos miríficos.
Só nos resta a fuga para o arrependimento,
para o auto flagelo do pensamento,
para o prazer mundano:
caminho tão desprezível quanto a nossa
vontade.
Aveiro, 12.09.2020
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