CANAL DE SÃO ROQUE

CANAL DE SÃO ROQUE

Foto de Gabriel Pereira




quinta-feira, 12 de novembro de 2020

SINAIS DOS TEMPOS (CONFISSÃO)


Foto de Carlos Pereira


SINAIS DOS TEMPOS (CONFISSÃO)

Carlos Pereira

 

Não sou hoje mais do que fui ontem.

Admitir isto é a minha última alucinação:

é o meu lúcido momento ao lusco-fusco do entardecer

que tarda a estrela d' alva.

 

Mudar o mundo era um dos meus propósitos:

Fiz tão pouco para isso; pouco é igual ao nada que sou.

 

A pouca coragem ou a falta dela,

inibe o pensamento colectivo, dificulta a acção individual

e pode, até, perigar a peregrina liberdade.

 

Todos os meus amigos me confortaram

com abraços de bondade simiesca, dizendo:

que te não fique, mágoa, esmorecido o preito ou

apoucamento pela empresa em vão, porque também nós,

artífices do nada fazer, solidários somos; se algum feito houve,

parca memória nos abordou ao cais dos dias.

 

Agastados ficamos, tão leve punição,

pela inoperante cidadania e pela asquerosa

insensibilidade perante o sofrimento do mundo

tanto mais que, a vida, nos tem dado de presente

não poucas vezes o privilégio da ausência de tristeza.

 

Seguir um lema mesmo que circunstancial, é para nós,

humanos, uma das maiores arduidades; em contraciclo

temos a sedutora habilidade da não presunção do objectivo

para não, em caso de falência, não termos

de congeminar bastardas desculpas.

 

Nada é mais atroz do que caminhar indiferente

pela estrada incendiada de rancores ou por inóspitos trilhos,

atapetados por falsos confortos miríficos.

 

Só nos resta a fuga para o arrependimento,

para o auto flagelo do pensamento,

para o prazer mundano:

caminho tão desprezível quanto a nossa vontade.

 

Aveiro, 12.09.2020


Nenhum comentário:

Postar um comentário