CANAL DE SÃO ROQUE

CANAL DE SÃO ROQUE

Foto de Gabriel Pereira




terça-feira, 19 de agosto de 2014

ABRAÇASTE-ME SILENCIOSA





Foto de Carlos Pereira



ABRAÇASTE-ME SILENCIOSA
Carlos Pereira




Bebi água no arroio da manhã
e os meus lábios disseram o teu nome,...

pois era grande a sedenta vontade de te ver.
E tu abraçaste-me silenciosa, tão silenciosa,
que a manhã não deu por nada.
Amanhã, virei aqui no limiar da noite,
quando as sombras trazem todos os barcos do mar
até às praias guardadas na nossa memória,
dizer-te que não adiarei mais as manhãs
que hão-de trazer a luz do sol,
que iluminará os lábios da tua boca acesa.
Ouviremos a plangente música
do choro das ondas do mar
e escutaremos as palavras sublimes
esculpidas nas estrofes do poema.




Aveiro, 09.04.2014

terça-feira, 15 de julho de 2014

gota de água



Foto retirada da net






gota de água      
Carlos Pereira


ínfima gota de água
coesão molecular translúcida
força e destreza
moves o moinho e o futuro
-H2O-
moves a mó que mói o grão
que germina em cada mão
transportas a vida nas margens do tempo
és silêncio na lágrima que rola pela ruga da pele
lambes as feridas da terra gretada
és grito na onda do mar que o vento impele
caminho da nau à praia regressada
és começo de história
sussurro bucólico do regato da minha infância
livro de sonhos e de memória
natureza em flor exsudando exclusiva fragrância
és festa quando por sobre as searas em medrança
vertes teu sangue de vida afastando a desgraça
és um poema nos olhos de uma criança
música inebriante batendo na vidraça

Aveiro, 03.06.2014

in "Poetas d'hoje / Antologia - Edição Grupo de Poesia da Beira Ria / Aveiro 2016
Publicado no Diário de Aveiro




domingo, 6 de julho de 2014

OLHAR



Óleo s/ tela de Salete Pereira




OLHAR
Carlos Pereira
 


Um copo de vinho tinto meio cheio
sobre a vetusta mesa carcomida.
Uma vida meio desfeita, mal vivida,
um livro e um amor que ficaram a meio.
 
Corre alazão, veloz, só com o freio
que a minha mão perdeu a brida;
com o espectro constante do receio
a morte sobrepõe-se sempre à vida.
 
O que se perdeu, perdido está
para lá das memórias esfumadas
e das esperanças já cansadas.
 
O que se ganhou, nunca será
mais do que uma réstia de felicidade
num mundo grotesco de inumanidade.
 

 

Aveiro, 26.01.2014

Publicado no Diário de Aveiro

 

 


domingo, 29 de junho de 2014

CABRA CEGA




Imagem retirada da Net





CABRA CEGA
Carlos Pereira
 
Cabra cega. Bode cego de amores
Por outra cabra tão cega como aquela.
Cabra que já não aguenta mais as dores
Por tanto lhe calcarem a espinhela.
 
Cabra escrava. Bode de maus humores
Tão infeliz e escravo quanto ela.
Cabra para prestar alguns favores
Aos verdugos incluindo o dela.
 
Cabra cega e escrava de um velho bode;
A pouca sorte bateu-lhe cedo à porta.
Não é sortudo nem feliz quem pode.
 
Só quem nasce de assento virado para a lua
Pode evitar uma vida dolorosa e torta
Como a da cabra cega escrava, tão crua.
 
 

Aveiro, 03.02.2014

Publicado no Diário de Aveiro

 

 


domingo, 22 de junho de 2014

SOERGUE-TE Ó MÃO AGRILHOADA



Foto retirada da Net



SOERGUE-TE Ó MÂO AGRILHOADA
Carlos Pereira
 
 
Resvalam na apatia as palavras dos sábios e,
ecoam tonitruantes as dos deuses inúteis;
umas e outras são o espectro da
inutilidade brejeira dos caudilhos,
que adoçam ou acidulam os nossos sonhos.
 
Soergue-te, ó mão agrilhoada!
Liberta-te da peçonha antiga e,
começa a desenhar o teu próprio caminho.
 

 

Aveiro, 27.03.2013

 




domingo, 15 de junho de 2014

ENCONTRO COM ALBERTO CAEIRO



Foto de Carlos Pereira




ENCONTRO COM ALBERTO CAEIRO
Carlos Pereira
 
 
Havia um silêncio suspenso, tão profundo,
que se ouvia com uma nitidez transparente
o ranger das paredes, soltando as suas dores
em forma de música gregoriana.
A luz do sol, através de um estore a necessitar de conserto,
incidia sobre a mesa iluminando a folha
em que escrevera o título: «A solidão às vezes»;
para um possível poema.
Eu era o único cliente naquele café de paredes austeras
de granito de muitos séculos com histórias e segredos,
que tentava decifrar através de imagens que perpassavam
diante dos meus olhos como num filme dos anos trinta.
Absorto no meu estado de letargia, os meus sentidos,
auditivo e visão, não me deram conta da chegada de uma figura
de aspecto seráfico, misterioso, de olhar contemplativo.
Posso sentar-me, perguntou, ao mesmo tempo que os seus olhos
se fixavam na folha de papel iluminada pelo sol cálido da tarde.
Peço mil desculpas pela interrupção, disse com convicção
e humildade, apresentando-se como alguém que escrevia versos.
Não tem de quê, retorqui em tom tranquilizador: o meu inócuo poema
pode ser adiado por uma conversa reflexiva e libertadora.
 
 

Aveiro, 28.02.2014

Publicado no Diário de Aveiro

 

 


quarta-feira, 4 de junho de 2014

O POEMA



Foto de Carlos Pereira




O POEMA
Carlos Pereira
 
O poema não será nada mais
para além do que a palavra permitir
no fugaz momento de uma sílaba,
acocorada na pele de um tambor.
 
Será a estrada que nos conduz
através do sinuoso declínio do homem
enquanto ser superior numa hierarquia,
mesquinha e manipuladora.            
 
Será o toque a rebate para nos unirmos
no adro da consciência imaculada
para derrubarmos os exércitos eufemísticos,
que teimosamente nos garroteiam.
 

 

Aveiro, 03.03.2014