CANAL DE SÃO ROQUE

CANAL DE SÃO ROQUE

Foto de Gabriel Pereira




domingo, 16 de dezembro de 2012

ESTE MUNDO NÃO É PARA NÓS

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
 
 
ESTE MUNDO NÃO É PARA NÓS
Carlos Pereira
 
As chamas queimam as nossas línguas
Por cima das árvores e da cama onde adormecemos ontem,
Véspera do raio de sol que inundou a estrada
No preciso momento em que gritaste:
Este Mundo não é para nós!
As nossas bocas não sabem contar histórias às estrelas
Quando fecham os olhos.
Os nossos dedos teimam em despentear
Os cabelos à lua adormecida no quarto-minguante,
De um céu indeciso.
Todas as feridas que sangram
Deveriam confluir o sangue para o mesmo rio
Onde dormem os astros primevos e a noite, a transbordar
De fantasmas glaciares a dançarem no ventre da Terra.
Quando o Mundo depender apenas da asa da ave
Seremos imortais e o medo agonizará no leito do vulcão.
 
 
Aveiro, 29.05.2012
 



domingo, 2 de dezembro de 2012

NINGUÉM ME AFASTA DA PALAVRA

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
NINGUÉM ME AFASTA DA PALAVRA
Carlos Pereira
 
 
Ninguém me afasta da palavra,
generosa e vagabunda que habita em mim.
Todos os silêncios me abordam num gozo infinito,
fluidos e harmoniosos, que matam a sede ao meu deserto
quando sonho com a liberdade.
Todas as sombras me devolvem o fulgor das palavras
com que construo muros e rostos, escudo protector,
contra a libertina dança da voracidade.
A imóvel pedra no ciclo da água rés ao ventre do rio,
origem e princípio de tudo, desafia a génese da humanidade
e não cala o impulso ingénuo que nasce nas veias do meu poema,
enquanto houver catedrais a silenciar a voz da dignidade.
 
 
Aveiro,07.07.2012
 
 



sábado, 24 de novembro de 2012

A ESPLANADA

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 

A ESPLANADA
Carlos Pereira
 
 
Estou sentado na esplanada numa praça
Centenária prenhe de história.
À minha volta estão outras pessoas também sentadas.
Conversam. Não sei do que falam; ouço apenas
Uma algaraviada num rumor babilónico.
Tomo o café em sorvos ritmados num ritual
Tão antigo como esta praça, que outrora foi
Mais buliçosa e cosmopolita.
Havia a livraria do senhor Abraão onde se compravam
Os famigerados, papel selado e selos fiscais que,
Validavam os contratos e as nossas vidas.
Havia a tasca do Agostinho, onde se bebia um copo
De tinto ou branco a borbulhar da pipa ao fim da tarde para,
Dissipar as frustrações do dia.
Nenhum dos circunstantes olha a vetusta praça.
Estão aqui sentados como podiam estar
Noutro lugar qualquer, porque o que os move, é
Aquele cavaquear indistinto que serve de som de fundo
Aos meus íntimos pensamentos e ao olhar saudoso
Para a praça ancestral de brilho balsâmico.
Dou comigo a recordar o bulício que as pessoas
Emprestavam nos afazeres do dia-a-dia.
Quantos dramas transportavam com as suas vidas?
Quantas se detinham (como eu) a olhar a praça para,
Absorver a exalação dos seus odores e a luz
Amenizadora dos dias de incerteza?
Acabei de beber o café. Levanto-me como me sentei;
Indiferente aos olhos deste auditório desapaixonado,
Que não deu por mim, nem olhou a praça.
 
 

Aveiro, 04.06.2012

 

 

 

 

 



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O CAMINHO DOS HOMENS INCRÉDULOS

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
O CAMINHO DOS HOMENS INCRÉDULOS

Carlos Pereira
 



O caminho dos homens incrédulos é duro,

mas pode ser suavizado pela dúctil esperança

que embala os sonhos e

castra a raiz à descrença

e à dor fragmentada que agoniza os dias.
 


O caminho dos homens incrédulos é longo,

mas pode ser encurtado pelo pensamento amotinado

que refresca o ar da respiração.
 


O caminho dos homens incrédulos é um livro,

com muitas páginas em branco que, teimosamente é lido,

da frente para trás, para de uma forma consciente e deliberada,

tomarmos conhecimento antecipado das palavras

que arquitetam a nossa memória final.
 
 

Aveiro, 30.04.2012


 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O ÚLTIMO VERÃO

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
 
O ÚLTIMO VERÃO
Carlos Pereira
 
Os últimos raios de sol invadem-me como carícias das tuas mãos meigas
Nadei até á exaustão no mar dos teus seios
e ao chegar à última onda
debrucei-me para enfeitar os teus cabelos com os peixes de prata
que apanhei na praia quando descalcei os sapatos à maré vaza
 
Segredaste-me que era o último verão que passávamos juntos
 
Era a tua derradeira esperança de me veres chorar
 
Garanto-te que não vou chorar, nunca choro nas despedidas
 
Só admito chorar ou o mar por mim
se nele não encontrar estrelas
para pendurar no tecto do teu céu como te prometi
 
 
Aveiro, 19.04.2012
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O INSTANTE PODE SER

 
 
Foto de Carlos Óscar Pereira
 
 
 
 
 
 
 
 
O INSTANTE PODE SER

Carlos Pereira
 
 
O instante pode ser o relampejo antes do trovão ou
a face branca de uma luz suspensa,
na perpendicular da árvore ou ainda uma seara
de frutos maduros a respirar o ar que a montanha sopra.
Pode ser a folha seca, caindo da árvore abandonada,
num ziguezaguear dolente, desafiando a morte.
Pode ser o voo lento da gaivota, ressaltando
na plumagem do mar onde as ondas são,
vagarosas penas na alma dos poetas.
 
 

Aveiro, 02.07.2012

 

 

 



sexta-feira, 12 de outubro de 2012

AUSÊNCIA

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
 
 
AUSÊNCIA
Carlos Pereira
 
Nenhum pensamento me seduz mais que o silêncio;
Embora saiba que o silêncio é a ausência de ti.
Abrirei o sulco à palavra nascida dessa ausência e,
Guiá-la-ei no trajecto espúrio da minha vontade.
Erguerei o meu olhar na direcção do horizonte
Na esperança de ver-te regressar ao vazio do meu peito.
 
Aveiro, 27.07.2012


 


domingo, 7 de outubro de 2012

TENHO QUE ESCREVER UM POEMA

 
 
Foto de Carlos Pereira
 
 
 
 
 
 
 

TENHO QUE ESCREVER UM POEMA
Carlos Pereira
 
Sentei-me ao lado da janela na,
única mesa que tem apenas uma cadeira.
Assim, ninguém perturbará o silêncio
das palavras que me chegam do sol nem
o voo da ave que limita o espaço entre o papel e o poema.
Não pertenço a este lugar, aliás, nunca pertenci
a lugar nenhum. Os lugares é que me pertencem,
emocionalmente, porque os absorvo em cada gesto
do meu olhar; em cada momento de pausa
na inspiração da terra; em cada espaço em que a pedra
se agita e a tua imagem surge bela e granítica.
Há no ar, acordes de uma canção com esboços
do teu corpo a pairar no equilíbrio da manhã.
Os meus olhos incendeiam-se e a minha mão
tremula, indecisa, entre o verso que não nasce e
o punho que desenha o teu ventre numa tela
harmoniosa de água e fogo.
Não vou escrever as palavras que sonhei de noite,
enquanto os barcos com velas e homens, feitos
de ansiedade, retornam ao porto de onde nunca saíram.
Tenho que escrever um poema; não com palavras dos poetas
que essas não sei, mas com as palavras que saem das
tuas ancas que giram ao sol e dos teus músculos
que retêm o barro que nos modela; com as sílabas
do teu corpo, com os versos dos teus braços que
me abraçam com as raízes da árvore que bebe a água do rio e
que há-de levar-me até ao mar da minha infância.
Tenho que escrever um poema, mas a minha mão
ainda tremula, indecisa, entre o verso que não nasce e
o poema de palavras inúteis.
 
 

Aveiro, 27.06.2012

 

 

 

 



terça-feira, 25 de setembro de 2012

ATENTO DISCÍPULO

Foto retirada da Net
 
 
 
 
 
 
 
ATENTO DISCÍPULO
 
Carlos Pereira
 
 
 
Os pés do menino, descalços, seguiam
 
O sulco húmido do arado, puxado
 
Pela dócil parelha de vacas amarelas,
 
Que o Ti Xico, sabiamente conduzia
 
Com a mão esquerda, tisnada
 
Pelo sol de muitos anos. Na direita,
 
Uma pequena vergasta de vime,
 
À qual só dava serventia na mudança de rego,
 
Batendo mais na canga do que nos nobres animais;
 
Ajuda prestimosa na manobra rotineira
 
A cada novo sulco esventrado à terra.
 
Era visível de forma indelével,
 
A conivente irmandade entre homem e animais.
 
As lavandiscas esvoaçavam num afã meticuloso
 
Na esperança de uma refeição de vermes subtérreos,
 
Que o arado, generosamente, punha a nu.
 
Todos trabalhavam para granjear o árduo
 
Sustento. O menino era, na maior e mais sábia
 
Sala de aula, um atento discípulo.
 
 
 
 
Aveiro, 05.06.2012