CANAL DE SÃO ROQUE

CANAL DE SÃO ROQUE

Foto de Gabriel Pereira




domingo, 3 de janeiro de 2016

SINTO-ME SERENO (Poema para minha Mãe)




Foto de Carlos Pereira





SINTO-ME SERENO (Poema para minha Mãe)
Carlos Pereira
 
                          
Sinto-me sereno, ante o olhar penetrante do centauro
que me visitava nos meus sonhos
nas longas horas de inverno.
 
Abri todas as portas da minha infância e,
eu ainda estou lá, no teu colo, a preparar a eternidade
num lago cheio de nenúfares e palavras.
Que farei com as palavras?
Saberei dar-lhes vida e negar-lhes a morte
numa cama eterna de um rio,
desde a inquietante nascente até à presunçosa foz?
 
Quem as lerá, sabendo-as minhas?
Sabendo que mas deste
com a simplicidade de quem dá uma flor ou um livro.
Quem as guardará?
Sabendo que as uso para te tornar viva nas minhas lembranças.
 
Sinto-me sereno, ante as minhas palavras;
escrevendo-as todas, irei encontrar-te em outro lugar.
As palavras continuarão a ser só palavras, não mais do que isso;
eu, serei apenas eu, a lembrar-te.
 
A promessa das palavras vindouras,
alvoroçará o perverso movimento perpétuo do tempo;
e se no entremês desse desígnio, sobrarem só silêncios e
grotescas sombras, terei que reatar a vigília do poema
para que as suas palavras sejam, dentro de mim,
a água que das fontes secou, e, nelas, saciarei a sede
da minha doce loucura.
 
Sinto-me sereno, porque em cada poema que faço
com as minhas palavras em vez de inúteis lágrimas,
perpetuarei a tua memória para além da inevitabilidade
dos destroços que a tua saudade gerou.
 
 
 
 
Aveiro, 9 de Abril de 2015
Publicado no Diário de Aveiro
 






























2 comentários:

  1. "Abri todas as portas da minha infância e,
    eu ainda estou lá, no teu colo" Maravilhoso!
    Um poema muito comovente e uma homenagem muito bela.
    Um beijo, meu amigo.

    ResponderExcluir